quarta-feira, 14 de abril de 2010

A CRÍTICA DE QUINE AOS DOIS DOGMAS DO EMPIRISMO



 Alysson Fernando da Cruz[1]
Resumo: 
Quine faz uma crítica ao empirismo moderno, sua crítica aos dois princípios que são tidos como dogmas desse período, com a sua reprovação ao significado dos termos de analítico e sintético, que são separados e analisados separadamente por duas áreas, ele afirma que isso não pode ocorrer, pelo contrário deve se fazer uma relação com os dois, outro ponto que crítica é o reducionismo da analise das sentenças, a partir desta, que se desenvolverá uma demonstração dessa crítica feita aos empiristas. A sua crítica não fica somente a esses pontos, mas vai além como, por exemplo, a tradução radical e também a posição da epistemologia.  


1. Introdução
            O presente artigo tem como objetivo demonstrar as críticas realizadas por Quine em virtude aos empiristas moderno, e apresentar as conseqüências da mesma.
            Willard van Orman Quine (1908 - 2000), um dos principais filósofos americano, publicou vários artigos, e um dos seus mais brilhantes publicado no ano de 1951 sob o título Two dogmas of empiricism (Dois dogmas do empirismo). Que faz uma crítica sobre os dois princípios, dogmas que norteiam o empirismo moderno. E em 1969 publica outro fascinante ensaio intitulado Ontological Relativity and Other Essays(Epistemologia naturalizada), que tenta dar um novo status para epistemologia.  
O empirismo moderno foi em grande parte condicionado por dois dogmas. O primeiro dogma é a crença em certa divisão fundamental entre verdades analíticas, ou fundadas em fatos; e sintéticos. Que ambos dá a idéia segundo a qual os enunciados de uma teoria se dividem em duas classes: os analíticos, necessários e a priori, e os sintéticos e a posteriori.
 E o segundo dogma que Quine apresenta a sua crítica é oreducionismo, é a crença que todo enunciado significativo é equivalente a algum construto lógico se referem á experiência imediata. 
O reducionismo, da a idéia que conforme a qual todo enunciado com significado pode ser reduzido a dados observáveis imediatos.
Quine pode se apresentar como um demolidor de grande parte da tradição filosófica, ele mesmo afirma sobre esses dois dogmas dizendo que ambos os dogmas, devo sustentar, que são mal fundamentados[2].
Tenta desfazer a barreira de distinção entre analítico e sintético, assim desfazendo essa fronteira que se crê separar a metafísica especulativa da ciência natural, e com isso acaba reforçando a concepção pragmatista, característica do pensamento de Peirce.
Uma conseqüência da critica de Quine é a concepção do holismo.
Quine, afirma, que não trabalha com dúvidas, mas sim com certezas, essa é uma marca de sua filosofia.
A epistemologia tem um ganho na sua forma de pensar e agir, mesmo usando do próprio empirismo para reemplantar a metafísica e a ciência.
Para uma melhor compreensão o artigo está dividido em duas partes a primeira: um olhar sobre a crítica de Quine aos dois dogmas do empirismo, e a segunda as conseqüências das críticas de Quine ao empirismo moderno.
2. Crítica de Quine aos dois dogmas do empirismo
Uma das suas críticas se caracteriza na separação que os empiristas fazem entre analítico e sintéticos, que são sustentados separadamente, não concorda com essa formulação ele afirma que não podem ser vistos separados, mas sim utilizar os dois para chegar em uma teoria cientifíca, sendo que não necessariamente seja dada a mesma importância para os dois, mas sim devem ser visto em graus diferentes.
Sobre o analítico Quine crítica a definição kantiana sobre a analiticidade, dizendo que tem duas deficiências:

Kant concebia um enunciado analítico como o que atribuía a seu sujeito e não mais do que já conceitualmente contido no sujeito. Esta formulação tem duas deficiências: limita-se a enunciados de forma sujeito-predicado, e vale-se da noção de um estar contido que é deixado a nível metafórico. Mas a intenção de Kant, evidente mais pelo uso que ele faz da noção de analiticidade do que por sua definição da mesma, pode ser reformulada deste modo: um enunciado é analítico quando verdadeiro em virtude de significados e independente de fatos.[3]

Com isso Quine, também mostra que significar, significado, não deve ser identificado ao mesmo que nomear. Pois como no próprio exemplo que ele nos mostra:

O exemplo de Frege de ‘Estrela Vespertina’ e ‘Estrela Matutina’, e o de Russel de ‘Scott’e ‘o autor de Waverley’ ilustram o fato de que os termos podem nomear a mesma coisa e diferir em significado. A distinção entre significar e nomear não é menos, importante ao nível dos termos abstratos. [...] o mesmo não acontece com o termo geral; mas o termo geral é verdadeiro de uma entidade, ou de muitas, tomadas uma por uma, ou nenhuma. A classe de todas entidades das quais um termo geral é verdadeiro é chamada extensãodo termo. Paralelamente ao contrate entre o significado de um termo singular e a entidade nomeada, devemos distinguir igualmente o significado de um termo e sai extensão. Os termos gerais ‘criaturas com coração’ e ‘criaturas com rins’, por exemplo, são talvez iguais e, extensão, mas diferentes significados.[4]


            Dentro da analiticidade e do significado Quine também coloca em dúvida a hipostatização de entes como “os significados”. Colocando em cheque o pensamento aristotélico sobre a essência, as coisas para Aristóteles, tinham essências, mas apenas as formas lingüísticas possuem significados. O significado é aquilo no que a essência se transforma quando, divorciada do objeto de referência, é vinculada a palavra.
            Com isso cai novamente no problema da analiticidade; os enunciados, por aclamação filosófica geral, são analíticos, que podem ser distribuídos em duas classes, a primeira são chamados logicamente verdadeiros; e a segunda classe de enunciados analíticos, que são  tipificados assim:

Primeira classe: Nenhum homem que não casou é cassado. A característica relevante deste exemplo é a de que ele não meramente é verdadeiro como se apresenta, mas permanece verdadeiro sob toda e qualquer reinterpretação de ‘homem’e de ‘casado. Se supusermos um inventario prévio de partículas lógicas compreendendo ‘nenhum’, ‘in-’, ‘não’, ‘se’, ‘então’, ‘e’, então, em geral, uma verdade lógica é um enunciado que é verdadeiro e permanece verdadeiro, sob todas as reinterpretações de seus outros componentes que não são partículas lógicas.
Segunda classe: Nenhum solteiro é casado. A característica de tal enunciado é a de que ele pode ser transformado em verdade lógica por meio da substituição dos sinônimos, assim (2) pode ser transformado em (1) substituindo-se ‘solteiro’ por seu sinônimo ‘homem que não casou’. Falta-nos ainda uma caracterização apropriada desta segunda classe de enunciados analíticos, e, com isso, da analiticidade em geral, porquanto na descrição acima tivemos que nos basear numa noção de “sinonímia” que, não menos do que a própria analiticidade, precisa ser excluída.[5]

            Quine também expressa a sua dificuldade em conceitual analiticidade afirmando que o problema, entretanto, é a analiticidade e aqui a maior dificuldade encontra-se não apenas na primeira classe de enunciados analíticos, as verdades lógicas, mas antes na segunda classe, que depende da noção de sinonímia.
            Para então definir a analiticidade[6] deve definir a sinonímia[7], com isso Quine passa por vários métodos, chegando a um que se parece confiável e ao mesmo tempo seja tal que não pressuponha o conceito de analítico: a permutabilidade, mas numa linguagem extensional, não é a garantia da sinonímia:

Numa linguagem extensional, portanto, permutabilidade salva veritate não é a garantia de sinonímia do tipo desejado. Que ‘solteiro’ e ‘homem que não casou’sejam permutáveis salva veritate numa linguagem extensional apenas nos garante que é verdadeiro. Aqui nada nos assegura que o acordo extensional de ‘solteiro’e ‘homem que não casou’deva basear-se no significado de preferência a meramente em acidentais questões de fato.[8]

            Quine volta seu olhar novamente para o problema da analiticidade, pois, uma linguagem intencional, só é compreensível se já houver compreendido a noção de analiticidade:

É freqüentemente sugerido que a dificuldade em distinguir enunciados analíticos e sintéticos na linguagem comum é devida à vagueza desta linguagem e que a distinção é clara quando possuímos uma precisa linguagem artificial com “regras semânticas” explicitas, isso é uma confusão. A noção de analiticidade é uma pretendida relação entre enunciados e linguagem.[...] por razoável que seja a priori, uma fronteira entre os enunciados analíticos e sintéticos não foi ainda traçada. Que tal distinção deva ser feita, afinal, é um dogma dos empiristas, sem qualquer base empírica, um metafísico artigo de fé.[9]

            Quine não fica somente na demonstração da crítica, mas também dá uma alternativa, e com essa alternativa, faz a sua segunda crítica e aponta uma solução. 
            Pode se perguntar como fica a teoria verificacional do significado? Com isso Quine comenta sobre como essa teoria se sustenta:

A expressão ‘teoria verificacional do significado’estabeleceu-se tão fortemente como divisa do empirismo que de fato seria muito pouco cientifico não proceder uma busca, sob tal termo, de uma possível chave do problema do significado e de problemas associados.
A teoria verificacional do significado, notória na literatura desde Peirce, afirma que o significado de um enunciado é o método de afirmá-lo empiricamente. Um enunciado analítico é aquele caso-limite que é confirmado em qualquer circunstância.[10]

Qual é a relação entre um enunciado e as experiências, para uma contribuição para sua confirmação ou que a prejudique? A concepção mais ingênua desta relação é a que a considera com relato direto. Isto éreducionismo radical. Todo enunciado significativo é considerado como traduzível em um enunciado (verdadeiro ou falso) sobre a experiência imediata. Em uma ou outra forma de reducionismo radical antecede à teoria explicitamente chamada teoria verificacional do significado.
            Quine também mostra o reducionismo radical de Rudolf Carnap, que usa mais da linguagem, que pode ser visto resumidamente assim, o plano pedia que fossem atribuídas qualidades aos pontos-instantes de tal maneira que se obtivesse o mais indolente dos mundos compatíveis com a nossa experiência. O princípio de ação mínima deveria ser nosso guia na construção de um mundo a partir da experiência.
            Quine afirma que o reducionismo têm continuado, de modos mais sutis e mais tênues, a influenciar o pensamento dos empiristas. E propõe e afirma que a unidade de confirmação empírica de uma teoria não é o enunciado isolado, mas a teoria em sua totalidade, assim uma teoria cientifica não é um mero conjunto de enunciados verdadeiros, mas sim um conjunto de enunciados verdadeiros que se sustentam entre si. Afirma ainda que o dogma do reducionismo está ligado a um outro dogma:

O dogma do reducionismo, mesmo em sua forma atenuada, está intimamente ligado a outro dogma – o de que existe uma separação entre analítico e o sintético. [...] Mais diretamente, um dogma claramente suporta o outro neste sentido: enquanto se considera significante em geral falar de confirmação ou infirmação de um enunciado, parecerá igualmente significante falar de um tipo limite de enunciado que é confirmado vacuamenteipso facyo, aconteça o que acontecer: e tal enunciado é analítico. Os dois dogmas têm suas raízes idênticas.[11]
 3. Conseqüências da crítica de Quine aos dogmas do empirismo
             Uma das mais evidentes conseqüências das críticas de Quine, sem duvidas é o holismo. Desta forma, Quine diz que a unidade de confirmação empírica de uma teoria não é o enunciado isolado, mas à teoria em sua totalidade, com isso vem reafirmar o ‘holismo’, que primeiramente foi pensado por Pierre Duhem, e depois aprimorado por Quine, a partir deste momento à teoria ficou conhecida como Duhem-Quine.
            Ele afirma que uma teoria científica não é um mero conjunto de enunciados verdadeiros, mas um conjunto de enunciados verdadeiros que se sustenta entre si.
            Em que consiste o holismo? O holismo vai dizer que uma teoria é como um campo de forças no qual tudo se liga de maneira sistemática. Apenas a periferia está conectada diretamente ao mundo da experiência, enquanto no núcleo da teoria é composto de enunciados teóricos.
            Não se pode esquecer que a verdade depende tanto da linguagem como dos fatos, mas dessa obviedade não deve descender a existência de dois distintos componentes, factual e lingüístico, tais que alguns enunciados sejam verdadeiros em virtude do componente, e outros em virtude de outro. 
            Essa distinção é questão de graus, de maior ou menor, propensão a abandonar o que se considere verdadeiro. E para não abandonar certas verdades da teoria, um enunciado que se configurasse como falso poderia ser salvo modificado outro enunciado da mesma teoria, ou revendo certos pressupostos não claros.
            O holismo assim pose ser considerado que á uma rede de crenças, onde as informações lingüística, conceituais e dados empíricos ou factuais estão inseparavelmente ligados.
            Desta forma Quine demonstra que a ciência tem uma evolução, a partir da analise dos dados por um todo pode se achar a falha e também construir um novo argumento, assim a uma evolução dos enunciados, se não houver uma evolução externa, acontece uma evolução interna.
            Com isso Quine também crítica a indeterminação de uma tradução de enunciados e conceitos, entre duas línguas que nunca se defrontaram, haverá uma dificuldade para a tradução e comunicação, mas para solucionar isso diz que o tradutor ou lingüista tem que partir das observações para chegar a uma conclusão, tem que fazer a análise comportamental dos individuos juntamente com a analise da língua, assim poderá traduzir da melhor forma aquela sentença.
            Com isso surge uma dúvida se com a indeterminação da tradução implica o abandono da teoria verificacional do significado? Obtemos a resposta em outro ensaio de Quine que é Epistemologia Naturalizada, como pode ver:

O significado empírico continua sendo necessário para a aprendizagem da língua materna pelas crianças e para aprendizagem de uma nova língua para os lingüistas. Nesse ultimo caso, deve-se apoiar as traduções previamente aceitas, mas ao final deve-se reconhecer que as traduções obtidas são arbitrarias, isto é, “que escolhas diferentes também poderiam ter feito dar certo tudo aquilo que pode em principio ser submetido a qualquer espécie de teste”.[12]

Nesse mesmo ensaio Quine tenta fazer uma redefinição do status da epistemologia, que é vista como um simples capítulo da psicologia e, portanto da ciência natural, deixando para traz a sua velha classificação, dessa forma avançando.
Por fim Quine, crítica muito o ponto de vista Hume em relação ao juízo analítico e sintético, mas não descarta algumas contribuições que o próprio Hume dá  para construção da epistemologia. 
Quine propõem um empirismo sem dogmas, um empirismo livresco. Afirmando que passa ser um disatino buscar uma fronteira entre enunciados sintéticos que se baseiam contigentemente na experiência, e enunciados analíticos, validos aconteça o que acontecer. Qualquer enunciado pode ser considerado verdadeiro aconteça o que acontecer.
            Desta forma Quine crítica os dois dogmas do empirismo, mas até certo ponto parece até contraditório da forma que coloca as suas críticas, pois usa dos mesmos métodos para criticá-las, mas não de forma redundante, ele demonstra com sabedoria como deve ser entendido o sistema analítico e sintético.
            Ambos, analítico e sintético devem ser utilizados juntos para chegar a uma analise e uma teoria, às vezes uma sobressairá mais do que a outra, pois elas devem ser utilizadas juntas sim, mas em graus diferentes, e nesses graus se chagará a uma verdade.
            Um ponto a desejar foi que Quine não conseguiu definir a analiticidade e nem sinonímia, pois um exame da analiticidade quer depender da noção de sinonímia será insatisfatória. 
            E para Quine, sua ciências e conhecimento, todos os níveis estão ligados entre si e não há verdades estanques, de tal forma que uma alteração no quadro geral provoca redisposições que repercutem no discurso de toda ciência.  

[1] Acadêmico do 4º período, do Curso de Licenciatura em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Campus Maringá.
[2] QUINE, W. V. Dois dogmas do empirismo. In PORCHAT, O. (org.)Ensaios/Ryle, Austin, Quine, Strawson2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 231-248. Col. Os Pensadores. p. 131.
[3] Quine op cit p. 131. 
[4] id., p. 231-232.
[5] Quine op cit.  p. 233
[6] Analiticidade: um enunciado é analítico se for verdadeiro em virtude do significado das expressões. 
[7] Sinonímia: duas expressões estão em relação de sinonímia se tiverem significado igual (solteiro é sinônimo de homem não casado).
[8] Quine. Op cit. p.238.
[9] id. p.239-242.
[10] Id. p. 242.
[11] Quine. Op cit. p.245.
[12] Quine, “EPISTEMOLOGIA Naturalizada” In PORCHAT, O. (org.)Ensaios/Ryle, Austin, Quine, Strawson. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 157-169. Col. Os Pensadores, §. 164.

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